14 de setembro de 2008



há uma cidade exposta
para os nossos sentidos

uma cidade que se revela
na cintilação delicada
do silêncio

há uma cidade em cada caminhada
comungando desta tristeza

apertando-nos o coração
contra o cansaço da saudade




in "rumores para a transparência do silêncio" 2008 - com foto pepe


a cidade prendeu-me a esta janela
e deu-me uma camisa de insónia
para vestir o meu cansaço

olho a cidade que perdeu agora as entrelinhas
as paredes tatuadas nas palavras desidratadas
o peso dos gatos das estrelas
e percebo que a noite é a remissão de todas as misérias

para os velhos cuja fome se dilui
no mistério do sono

para as escadas que deixam de levar
os abreviados os prostrados
as pétalas das rosas impossíveis de despir

e para mim
que tropeço na saudade da árvore onde nasci




in "rumores para a transparência do silêncio" 2008 - com foto pepe


podes estar sozinho
mas a oração do teu silêncio
nunca há-de ser só tua

também as pedras
a fina luz de seda
os bancos alinhados
na solidão

escutam esse começo de deus
que é uma voz sussurrar-se dentro de nós
contra o vazio



in "rumores para a transparência do silêncio" 2008 - com foto pepe


ouves ao longe um estremecer de primavera
no cume do frio da manhã

é uma mulher tocando uma concertina
um alaúde uma árvore de afectos
ou um gato azul

pouco te importa a água em que se move
se o que te prende agora
e te transforma uma vez mais o rosto
é a nitidez honesta do sorriso

uma mulher que te chamou de longe
para te dizer que te conhece
porque o teu sorriso

é como o dela



in "rumores para a transparência do silêncio" 2008 - com foto pepe


há escadas que nos levam para o coração das cidades
como travessias que se inclinam para a raiz da terra

há escadas que tocam a música das casas inabitadas
escadas indigentes escadas panfletos escadas mistérios
violoncelando a inevitável sobrevivência da morte

há escadas ao longo das vitrinas aquosas que nos iluminam
escadas que nos voltam as páginas toldadas de tristeza
e nos expõem alguma paz subtraindo ao odor da solidão
o gosto amargo de estarmos suspensos na mesma palavra

e há escadas lembrando a posição solene das floreiras
que nos sobem e descem a saudade de haver árvores



in "rumores para a transparência do silêncio" 2008 - com foto pepe